sábado, dezembro 08, 2012

Tempos


E se calhar chegou mesmo o tempo.
Do Amor. De ser coração – sem luzes cor de rosa e flores de arco-íris, se bem que são bem-vindas na mesma – inteiro.
De olhar-te até me diluir em ti, de abraçar-te até aos ossos, de não me diminuir, não me minimizar fingindo que sou somente metade.
De ajoelhar à vida “como” se fosse sua filha, sua amante, sua mãe.
De tratar o útero onde vivo como a minha casa.
De abrir as portas da minha casa e do meu coração a quem precisa e de respeitar os meus espaços e os meus tempos.
De tratar-te como se parte de mim fosses, tendo contigo a mesma responsabilidade que tenho comigo - e isso não é dependência.
De enfrentar e abraçar os fluídos do meu corpo e as lamas da minha mente, tanto quando as lágrimas da minha alma.
De colocar as mãos na terra e reverenciar aquilo que como. De dançar em sintonia com a vida que me coube e com o que dela faço.
De Celebrar-me.
De celebrar-te.
De não te permitir a aparência, a superficialidade, a fuga de ti e de mim.
Se calhar chegou o tempo de saber que tudo se passa dentro de mim, mas o que realmente conta é o que faço cá fora com isso.
De não me fechar.
De te abrir.
Se calhar chegou o tempo de aceitar a humanidade espiritual que me abarca.

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Projecção


Sentes?
Este esventramento sagrado?
Sentes a vibração que te rasga o peito e as entranhas e as barreiras de todos os "politicamente correctos" para te ires mostrando CRUAMENTE nu/a?
Sentes o rosto, que tantas vezes olhou para o lado para não enfrentar as tuas próprias dores, e lamas e adições e vitimizações e perversões e todos os "nãos" a ti mesmo/a, adentrar-se mais e mais fundo com fome de ti??? Com fome desse abismo tão sublime e dolorosamente são que é o reconheceres da tua humanidade plena? Inteira, ... redonda.
Sentes essa energia que se solta em cada golfada de descida que te permites e que te sobe pelo corpo numa espiral sufocante de Amor? De Amor... não amor. Amor, fulminante, inteiro, aceitante até aos ossos e absolutamente vibrante de entrega....
E o medo que também te sufoca enquanto as vozes do teu ventre te gritam "não posso, esta dor toda é demasiada luz"!!!!! E é aí que te ficas... porque na dor e nas merdas que guardamos no baú, a luz é mesmo igual para todos....
E é esse tipo de Amor que te engancha. E é essa dor que te rasga. E, de alguma forma, não sabes como o vais fazer, mas já não te permites sair daí... porque a paisagem... ainda que pareça longínqua... é devoradoramente divina.

segunda-feira, outubro 22, 2012

Histórias de mulheres


Apagava-se o tempo. Não havia outra forma de o explicar, de colocar a sensação em palavras. Como o Verão que já se apagava da memória, quando os casacos de lã aconchegavam das primeiras noites geladas, algumas histórias sacudiam-se da pele caindo como gotas de chuva, logo absorvidas pela terra. A única marca deixada cheirava a humidade, a despedida, a um virar de costas decidido e perturbador.
"É então esta a sensação do deixar ir." - pensou, num entardecer em que a leveza da despedida se transformou num arrancar pedaços. Um arrancar silencioso, sem extroversão, sem gritos ou choros ou lágrimas. Apenas a sensação de vazio sufocante. Uma memória cravada no peito acerca do que um dia foi emoção.
As histórias deixaram de ser contadas, reviradas em noites de insónia. As 
palavras deixaram de ser ditas. Um dia, os cheiros também se apagariam, assim como o som do mar nas noites de Setembro, o sabor horrível da Corona que parecia ser um prazer e que ela nunca entendera muito bem como gostar daquilo, o cheiro da esperança ao por do sol e da entrega na Lua Cheia. Apagar-se-ia a história com o título "assunto inacabado" e ela respiraria aliviada e esqueceria que um dia desejara não esquecer.
E a decisão fora a coisa mais consciente que fizera na vida. Sem dramas.
Somente a parte de si agarrada à poesia sentiria saudades.
"Porque aprendeste que uma mulher fica sempre com um amor antigo cravado no peito. Foi esse o legado das tuas antepassadas. Get over it!" - a voz fê-la rir.
Ali estava ela. Artémis no seu melhor. 
Com um sorriso condescendente, puxou a túnica para si, agarrou no arco e na flecha e deu meia volta sobre si. 
Sim, o Verão apagar-se-ia da memória.
O melhor era aproveitar o Outono.

quarta-feira, agosto 01, 2012

Cartas para Clara




Querida Clara,
Pensava nas palavras que proferiste na nossa última conversa e da minha conclusão delas. Sobre os lutos.
Sobre o que já não é, nunca foi, mas que de alguma forma se continua à espera…
Recordo-me dos dias em que os sonhos eram tão intensos que se tornavam palpáveis.  Conseguíamos tocar-lhes. A casa tinha uma cor, sabíamos que transformaríamos a garagem numa oficina. E o outro lado, seria o espaço para a mesa. Nunca conheci sonho onde uma mesa de madeira tivesse mais impacto. Conhecíamos as refeições que faríamos… e penso que até aí há uma pista importante para nos abanar deste estranho entorpecimento. Sonhávamos com churrasco, e há anos que eu não como carne. Já viste como o sonho foi sonhado, ainda, quando já nada nele se avistava?
O sonho tinha som de gargalhadas, macacões de ganga desbotados e cheios de tinta. Havia, numa mesa cheia de papeis, uma máquina de escrever. Nunca o actualizámos para um computador… E havia música e barulho, carros estacionados à porta, cheiro de mar, areia no chão, varrida várias e várias vezes ao dia. Havia beijos salgados e abraços protectores. Mas nunca houve outras assinaturas, para além da nossa.
Houve tanta ingenuidade neles. Esquecemo-nos de os partilhar, de perguntar se mais alguém estava interessado em entrar neles. Esquecemo-nos de trabalhar seriamente para a sua concretização. Limitamo-nos a sonhá-los, acreditando que eram tão bons que qualquer pessoa quereria fazer parte, ainda que não os conhecesse.
Afinal, o sonho era só nosso. E é esse largar que dói. Mais do que o sonho desfeito. É o olhar a casa, sabendo o que nunca será, deixar ir rostos que não eram “para sempre”.  Não é o caminhar para outras paisagens que doí, é o largar as paisagens que contêm investimentos emocionais de sonhos dos quais nunca nos despedimos.
E é tempo de o fazer. Afinal, os sonhos também têm de crescer, não é?
Agarremo-nos ao que efectivamente É. Ao amor que nos abençoa, aos que nos querem verdadeiramente. Já existem outros sonhos, alguns tornados realidade. Se abrirmos o espaço que guardámos para o sonho antigo, já imaginaste a quantidade de amor que teremos disponível para dar? São anos e anos de amor guardado…
Quem sabe chegou esse dia. O dia de seguir – MESMO – em frente. E não o podemos fazer levianamente. O sonho, nem que seja pela importância e intensidade que lhe demos, merece um ritual, uma despedida, um dizer adeus digno de tanto amor que lhe dedicámos.
Tomemos agora tempo a investir nisso, nesse adeus cheio de significado.
Abraço-te,
Leida

sábado, maio 12, 2012

Desencontros

Ele ama-a.
Mas na sua alma há ventos no lugar de chuva, desertos onde o mar deveria desaguar.
Ama-a. Mas nada sabe dos motivos do coração. Vive como se a vida fosse um ecrã de televisão, onde o romance se assiste de fora e os anúncios são a vida real...
Quando fecha os olhos e se esquece da auto-imagem estática que tem de si mesmo, é na sua pele que se perde, no seu cheiro que se funde. Por entre os fios escuros do seu cabelo, vive a brisa do oceano e no seu sorriso encontra a água fresca depois de uma tarde de calor.
Ama-a. Mas perde-a por entre os passos do que deveria ser, sem se dar conta da sua alma a gritar sobre o que poderia ser.
Foge das suas lágrimas e dos seus gritos de desespero, esquecendo que da chuva nasce a semente e do som, as melodias...
Cala a sua alma, negando a sua existência, e escolhendo uma e outra vez o mundo a preto e branco.
Ama-a.
Mas não o sabe.
E ao afastar-se... pergunta-se onde terá deixado a sua alma, no caminho.

sexta-feira, março 09, 2012

Balanço

Este ano, depois de fazer o meu "Mapa do Tesouro", percebi várias coisas.
A primeira delas foi que a minha mente/ consciência /alma / capacidade de encaixar o mundo, expandiu... a tela que comprei era o dobro da tela do ano passado, apesar de a ter adquirido convencida de que era do mesmo tamanho... só em casa me dei conta de que o que era "grande" o ano passado, este ano já não parecia assim tão grande.
Outra das coisas que percebi foi que, apesar de ter enchido a tela de desejos, sonhos, palavras inspiradoras, imagens maravilhosas e cor... pedi muito menos coisas... e focalizei-me muito mais em algumas coisas.
Não preciso de muita coisa, mas sei cada vez mais e melhor aquilo que quero. 
É uma sensação maravilhosa entender - finalmente - numa dimensão anteriormente não ouvida, as notas com que toca a minha alma, as cores com que pinta e as formas que gosta de moldar.
Os preços a pagar por isso não são menos difíceis. Agora é tempo de despedir-me do que não quero, limitar as minhas escolhas - e sim, isso chama-se liberdade, por paradoxal que seja - e focalizar-me cada vez mais em quem sou. Quem diria que sermos uma melhor versão de nós mesmos é algo tão facilmente "escapável" por entre os dedos e as rotinas?
Ando assim, nesta roda viva de luz e sombra, tecendo nas pontas dos dedos uma nova história... onde danço com vestidos vermelhos compridos, com mangas largas, como um dia me foi descrito... ah... e continuo despenteada.
Basicamente, sou mais feliz.