sexta-feira, julho 24, 2009

Nonsense

Estava sentada no muro lateral, encostada à parede da casa antiga. Gostava de posicionar-se assim, como antigamente, fingir que o tempo não tinha passado e que aquele espaço lhe pertencia. Encostou a cabeça para trás e fechou os olhos. Ele não lhe saia da mente.

Quando estava acompanhada era mais fácil distrair-se dos pensamentos, esquecer-se de quem era e dos locais e pessoas aos quais a sua alma pertencia. Agora não. Estava triste. estava só. E não conseguia desligar-se.

Pegou no telemóvel, brincando com as teclas. Talvez pudesse ligar, convidar para um café. Porque era tão difícil? Porque pareceria errado, se o fazia com todas as outras pessoas?

Foi quando viu o carro. Branco, estacionado mesmo em frente a ela. No entanto, o condutor não a vira. O olhar dele dirigia-se para a frente da casa, tentando ver alguém lá dentro. Nas mãos, um enorme cacho de uvas pretas, que comia com agrado.

O coração disparou-se e ela sorriu. Foi como um sinal, pelo que o olhar dele encontrou-a. Saiu do carro. Caminhou até ela. Pela primeira vez, viu-os os traços da idade, nas pequenas rugas dos olhos, nas linhas marcadas do rosto. Trazia a barba por fazer, nada habitual nele, e parecia cansado. Não pensou. Abriu-lhe os braços. E ele correspondeu, envolvendo-a no seu corpo. Sentiu-lhe o cheiro, perto do pescoço. O tão amado cheiro. A curva onde o seu rosto se escondia. Sentiu mais do que desejo. Sentiu aquele afecto, aquele ternura impossível de explicar e soube que aquele sentimento lhe pertencia, não estava sujeita ao tempo e ao esquecimento, como as outras coisas da vida. Enquanto ela existisse, estaria ali. E, estranhamente, não se importava, desde que os braços dele a envolvessem assim, de vez em quando.

- Ia ligar-te. - sussurrou.
- Sério?
- Sim... para bebermos um café.
Afastou-se um pouco e sorriu.
- Hoje não pode ser.
Ela envolveu-lhe o querido rosto com as mãos.
- Mas estás aqui...
Acenou afirmativamente, tornando a abraçá-la.
- Estou. Estou aqui. Por agora, estou aqui...

6 comentários:

Mag disse...

Até parece que senti o abraço assim, no meu peito.
E o sentimento que fluia entre eles, que não precisa de palavras. Que se sente, apenas. Daquelas ligações que algumas vezes encontramos perdidas por aí...

Excelente, Lita!

Luna disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luna disse...

Este texto disse-me muitas e muitas coisas. daquelas que não se contam a ninguém.

dinamene disse...

Belo encontro/reencontro…
Há afectos assim, impossíveis de quebrar, amores verdadeiros que unem pessoas para sempre (mesmo que com diferentes caminhos, diferentes histórias, diferentes destinos…). Belo conto.

Sei que tenho estado ausente, amiga. Gostava de já ter ido aí mas ainda não foi possível… Iniciei um novo trabalho… e estou a gostar!
Então a Mariana já regressou das férias fantásticas? E a Luana continua a pôr a mamã em casa a descansar?
Beijos

Ianita disse...

Estou aqui...

Lita disse...

Mag, eu estava a escrever e também senti o abraço entre eles... insuperável! Obrigada!

Luna, há muitas histórias assim. :)

dinamene, amiga, os nossos caminhos são difíceis de cruzar, mas quando se cruzam... :) Tu própria o afirmaste, há amores verdadeiros que unem pessoas para sempre... ;)

Ianita, :)