quinta-feira, julho 13, 2006

Aurora




Conheceu-o quando tinha 12 anos.
Nunca antes tinha tido um namorado e não foi difícil apaixonar-se pelo menino de sorriso traquinas e olhos castanhos amendoados. O André tinha esse dom, criar paixões.

A paixão durava o mesmo tempo que os verões, e alimentava-se de olhares e sorrisos...

... até o dia em que o André correspondeu, e vários anos se tinham passado. Por motivos alheios, ele vivia debaixo de um barco, ela tinha acabado de chegar lá para trabalhar. Foram viver juntos. Ao mesmo tempo, Aurora não estava segura. André tinha outra paixão, que crescia a olhos vistos, cada dia dependia mais dela e por ela fazia qualquer coisa, perdia empregos, deixava de comer, roubava...

Mas o amor de Aurora era mais forte que a dependência de André. Ela queria ajudá-lo, sabia que ele seria muito mais, se ultrapassasse esta fase. Por isso, deixou passar as noites em claro, a falta de dinheiro, as dívidas, o medo que ele não vivesse para o dia seguinte. Deixou passar o seu cadastro no banco de Portugal, pelo roubo que ele lhe fez, avergonha de levar amigos lá a casa, a perda dos amigos. Deixou passar o seu amor próprio. Por que o amava.

"Deixa-o. Já foi demasiado longe. Não vale a pena!" A cada frase destas, Aurora abanava a cabeça. "Vocês não compreendem, eu amo-o."

A sua espera teve frutos. André largou a droga. Quis ser internado, tratou-se, tirou um curso técnico, arranjou um emprego. Mais uma vez, largos anos se tinham passado.

Algum tempo depois, André teve um acidente de trabalho que o deixou parado muitos meses. Não foi um problema, depois do que tinham passado, Aurora sentia-se pronta para tudo.

André melhorou. Voltou a trabalhar.
E um dia voltou para casa, triste, cabisbaixo, um olhar pesado.
Aurora não se desestabilizou. Estava pronta para tudo.

"Estou apaixonado por outra pessoa. Desculpa. Não planeei, mas acho que me vou embora."
Nunca estamos prontos para a Vida, não é?

Liguei-lhe. Estava à espera de revolta, pensamentos negros de "anos perdidos para nada". "Como estás?" - perguntei.
"Triste, desesperada, desolada. Mas acontece. Tenho de ter fé que as coisas vão melhorar, com ele ou sem ele. Seja como for, valeu sempre a pena"

E foi a primeira vez que eu SOUBE que a minha querida amiga soubera sempre o que estava a fazer.
Um enorme beijo e todo o meu amor para ti, querida Aurora.

terça-feira, julho 11, 2006

Criancices



Quando a R. me disse que iriamos coordenar a colónia à praia e "estar com os meninos" de tarde, a coisa não me soou má de todo.
"Nem tens de tomar banho" - diz-me. "É só olhar pelos monitores, que eles tratam do resto."

Esta do não ter de tomar banho pode soar estranho, mas tentem pôr uma algarvia com alergia ao frio nas águas da Caparica e depois digam qualquer coisa....

Enfim, vamos aprendendo.
7 horas da manhã - o despertador toca e quase salto da cama. "Já é de manhã?"
Preparar a mochila da filhota, para o pai não demorar 3 horas à procura das coisas. Encontrar o biquini, "eu sabia que o tinha deixado por aqui... mas onde?". Descobrir que a toalha de praia está molhada. Alternativa: a toalha com o Noddy. Porque não?
Pode ser que não se note.... Preparar a minha mochila. Fazer qualquer coisa para o almoço, que tenciono levar. Procurar a agenda, foi vista pela ultima vez nas mãos de uma criança que 2 anos que descobriu há pouco o prazer de... PINTAR! Vestir.

8h30 - Sair a correr, com um pessego na mão, a mala, a mochila e a agenda noutra. Entretanto, esqueço-me do almoço.

9h00 - Chego ao Bairro, onde o autocarro e 35 crianças me esperam, acompanhadas de 4 monitores de 17 anos e uma mulher que, I don't Know why, vai connosco.

9h45 - Praia. Enquanto tentamos descobrir um lugar agradável para estar, a mulher que, I don't know why, foi connosco, começa a falar mal de uma das monitoras e, de repente todos os monitores falam da mal da jovem. Acabo com a conversa e mando-os cuidar dos seus grupos de criança. Abro a mochila e tira a toalha. "HEEEEEEEE!!!! Toalha do Noddy!" - gritam uns quantos, enquanto gozam comigo.

Manhã - duas monitoras zangam-se. 4 crianças choram. 2 meninos correm pela praia e temos de ir atrás deles. Tentamos ir ao banho. Dois meninos são enrolados nas ondas, apesar dos 4 monitores dentro de água. Um grupo de crianças molha-me. Fico com alergia. Hora do lanche. Não querem aquele lanche. Lancham. Os 4 monitores zangam-se. Tento juntá-los para fazermos jogos. Ando a tentar agrupá-los. Consigo juntá-los todos. Começa a chover. Arrumamos as coisas, desenterramos algumas crianças que outros tinham enterrado até ao pescoço enquanto nos vestíamos, chegamos ao autocarro encharcados. Uma monitora chora cá fora e não quer entrar no autocarro, devido aos outros 3.

Hora do almoço - reunião com os monitores, tentativa de acalmar os animos e reorganizar as operações. Duas resolvem não se falar e fazer com que tudo passe por mim. Descubro que não tenho almoço. Vou comer uma tosta e um sumo.

15h - Ensaio de dança das meninas. Uma resolve não dançar por vergonha. A professora de dança passa-se. Tento trazer a menina de volta. Pego em 8 meninos que não têm nada para fazer e levo-os para o espaço lúdico doutro bairro, onde mais 10 crianças nos esperam. Querem dançar. Não gostam de dançar. Querem jogar computador. Competem pelo computador. Zangam-se uns com os outros. Chamam-se nomes. Tento acalmar os animos, conversar. Não querem conversar, querem que os outros se vão embora. "Não pode ser. Vai ser todo o verão assim" - digo. Olham para mim furiosos.
Vem a Irene dar-lhes o lanche. Não querem aquele lanche. Lancham. Competem pelo brinquedo do lanche. Choram. Tento acalmar os animos "Eu não nasci para isto." - penso.

17h - hora de ir ambora. Acusam-se de lhes terem roubado os brinquedos. Chamam-se nomes. Tento acalmar os animos. Ninguém se fala. "Amanhã vêm outra vez?" - pergunta uma ansiosamente. Abano a cabeça e digo que sim... (?)"Isto não é normal!"
Volto para o outro bairro. Recados para mim: 2 não vão no dia seguinte, uma monitora quer desistir, uma voluntária quer ir. Telefono para todos. A monitora resolve continuar.

17h30 - sento-me numa cadeira e digo "estou exausta". "De quê?" - perguntam as colegas. "Passaste o dia na praia e a passear."

Parece que sim, não é?? Agora é só ir para casa, ir buscar a filhota, dar-lhe banho, preparar-lhe o jantar, pintar com ela, dar-lhe o jantar, contar-lhe uma história, correr atrás dela enquanto me berra "não ké dumi", levá-la para a cama, contar-lhe mais 3 histórias, esperar que adormeça, preparar actividades para o dia seguinte, e começar tudo de novo...

Não há nada como as crianças!!!!