quinta-feira, maio 18, 2006

Caminho




"There's a hole in my sidewalk



Capítulo 1
Vou pela rua fora.
Há um grande buraco no passeio.
Eu caio lá dentro.
Estou perdida... indefesa.
Não é culpa minha.
Levo uma eternidade a encontrar uma saida.

Capítulo 2
Vou pela mesma rua fora.
Há um grande buraco no passeio.
Finjo que não o vejo.
Caio lá dentro outra vez.
Não acredito que estou no mesmo sítio.
Mas a culpa não é minha.
Ainda levo muito tempo a conseguir sair.

Capítulo 3
Vou pela mesma rua fora.
Há um grande buraco no passeio.
Vejo que está lá.
Continuo a cair... é um hábito.
Tenho os olhos abertos.
Sei onde estou.
A culpa é minha.
Consigo sair imediatamente.

Capítulo 4
Vou pela mesma rua.
Há um grande buraco no passeio.
Passo ao lado.

Capítulo 5
Vou por outra rua."

Portia Nelson

Quero ir por outra rua....

Mudar

Mudei de perfume.

Parece tão banal, não é? A maioria das pessoas tem vários perfumes que usa de acordo com os dias, as disposições.

Mas eu não. Uso o mesmo perfume há 12 anos. Nunca pus nenhum outro ao longo desse tempo. Era o meu perfume. Todos o sabiam. O Gualter costumava dizer-me, cada vez que me dava dois beijos na cara, que o meu cheiro lhe recordava de mim!!!! Que era inconfundível, tão inconfundível que esse cheiro me pertencia.

O Nelson, depois de vários anos de namoro, um dia percebeu que o que ele considerava o meu cheiro era o cheiro do meu perfume... dizia ele que gostava do meu cheiro porque era natural!!!!!
E era. Porque eu também o associava a mim, à minha personalidade, à marca que eu queria deixar no mundo.

Sou de mudanças drásticas. Não tenho medo de saltar de emprego para emprego, de casa, de amigos, até. Não tenho muito medo do mundo, nem do tempo, nem de experiências novas.
Mas não mudo o cabelo, não mudo os móveis de minha casa de lugar e não mudo de perfume. Há coisas que têm de continuar a ser locais seguros. Como o banco verde da Praia de Faro, onde me sentei, a ver o por do sol, mais vezes do que seria possível descrever. Como a Carla, com quem continuo a conversa que começámos a ter aos 12 anos e continuámos por aí fora, por carta, por telefone, pessoalmente, às vezes com espaços de anos entre elas, outras vezes com espaços de minutos. Como a Lua, que está sempre lá, mesmo nos dias em que não se vê.

Mas o meu perfume acabou e não comprei outro frasco. Ninguém me ofereceu outro. E os dias foram passando... sem perfume. E mais uma vez a vida me provou que eu não sou nada que eu possa descrever. Eu não sou um perfume, uma imagem, uma personalidade. Eu não sou uma mulher, uma companheira, uma amiga, uma mãe, uma trabalhadora. Eu sou. E isso significa que tudo o que me der na veneta me é permitido, desde que não interfira na "Veneta" dos outros.

O Nuno dizia, pela 3ª vez, no outro dia, uma frase do Fernando Pessoa. "Aconteça o que acontecer, não será maior do que a minha alma." É verdade. Nem o meu perfume.

As verdades...

Perco-me muitas vezes, nesse jogo.
O das palavras, a eterna deambulação das palavras, em torno de um tópico, de um sentido dialéctico para aquilo que o coração sente, a mente descasca e as palavras tentam modelar. Nunca ganho.
Não que as palavras não me sejam boas companheiras de guerras dialécticas, de jogos verbais de poder. Não é a batalha que eu não ganho. É a harmonização. Nunca ganho a sensação profunda de que fiz o certo, descobri a verdade e que a minha batalha ganha foi uma mais valia para o mundo.
De que me servem as discussões vãs, para além do treino intelectual e da ideia de que as boas argumentações levam-nos a vários sítios... mas raramente à verdade? Porque a verdade não está na argumentação, nem nas palavras, nem na mente, nem sequer em livros maravilhosos. Não está em lado nenhum...
Porque apenas é verdade se o for para mim, sem nenhuma argumentação, sem nenhuma crítica, para além da certeza e do sentir profundo de que é verdade.. e que é só minha. E isso faz com que cada um tenha uma. Uma verdade única para cada ser, uma verdade que o torna único, especial, perfeito...
...e isso não se ganha... surge-nos de dentro.
Por isso nunca pode ser ganho no jogo das palavras... prefiro as palavras sem jogo! As que seguem as nossas verdades.