segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Maria

Maria era a mais velha de uma família de 13 irmãos. Como - quase! - todas as famílias com muitos e muitos filhos, viviam com muitas dificuldades financeiras, pouca comida na mesa e trabalho de manhã até à noite.

A mãe de Maria acabou por pedir à cunhada, que não podia ter filhos, que educasse as três filhas mais velhas. E foi assim que Maria teve um crescimento mais abastado, num época em que ter comida na mesa era um luxo. Cresceu alegre, segura e bonita.

E um dia conheceu Raul. Maria descende de uma família com história de grandes paixões, e quem a conheceu na época conta que o amor dela e de Raul estava escrito nas estrelas. Não se largaram desde o primeiro momento. Entrelaçavam os dedos, trocavam olhares, aproveitavam o mínimo descuido da tia de Maria, severa com os namorados, para dar um apaixonado beijo.

E, como todos os amores perfeitos, casaram, numa festa onde ainda sobram muitas fotos, tiradas a preto e branco, e nas quais se pode ver o olhar da noiva e sonhar com um amor assim.

As dificuldades não começaram logo. Maria seguiu a profissão da sua mãe de criação, tornando-se costureira e Raul trabalhava como mecânico. Antes de darem conta, tiveram uma menina que lhes encheu os corações de mais alegria.

Um dia, um acidente fez com que Raul perdesse a sensibilidade na mão direita, terminando por aí, aquela que tinha sido desde sempre a sua profissão. Desempregado, viu-se sem meios de ajudar nas contas e acabaram por ter de deixar a modesta casinha onde viviam e regressar a casa da tia de Maria. Por esta altura, a jovem já esperava o segundo filho.
Viver numa casa que não era a deles, com as opiniões insidiosas da tia de Maria, que, sem se dar conta, se envolvia das discussões do casal, as dificuldades monetárias e as saídas nocturnas de Raul, que começara a beber mais do que era esperado, levou ao fim de um casamento que todos garantiam ser eterno.

Na noite em que Raul saiu de casa para não voltar, Maria fechou-se no quarto, de onde saiu somente três dias depois, e nunca mais falou do ex-marido.

Os anos passaram e ambos reconstruíram as suas vidas. Clara e Rodrigo começaram a visitar o pai numa altura em que este já tinha outro emprego, outra mulher e outro filho. Apesar de ausente, dava-lhes uma nota a cada um, à saída, e dizia, num tom baixo:
- Abraço à vossa mãe.

Maria nunca enviou qualquer recado a Raul. Quando o seu nome era balbuciado, mudava de cor e afastava-se para que não a vissem. Conheceu Jorge, com quem acabou por se casar, e teve duas filhas. A mais nova tinha dois meses, quando lhe diagnosticaram leucemia.

Clara tinha vinte anos, Rodrigo catorze, Sara tinha cinco e Bárbara era um bebé. E foi, acima de tudo, pelas filhas mais novas, que Maria lutou. Com todas as suas forças. Tentou todos os tratamentos que conhecia e que as suas escassas posses lho permitiam. Nada resultou. Bárbara acabara de fazer um ano, quando Maria soube que partiria em breve. Tentou assegurar-se de que as meninas ficavam bem e pediu para ver as duas irmãs com quem tinha sido criada.

Quando Raul entrou na igreja, o silêncio foi total. Há mais de doze anos que a família da defunta não o via e, graças aos comentários da tia de Maria, que nunca lhe perdoara a partida, as pessoas conheciam-no como um homem egoísta, que nunca ligara à mulher e que mal via os filhos. Raul reconhecia veracidade em algumas dessas frases. Não todas.

Sem olhar para os presentes, aproximou-se do caixão, sentou-se ao seu lado e fez um suave festa no rosto da ex-mulher. Sorriu. Pegou-lhe na mão e levou-a aos lábios, castamente. E, deixando cair o rosto, lançou-se num choro soluçante e compulsivo, que demorou a controlar.
- Era a mulher da minha vida. - ouviram-lhe sussurrar. - Aquela que eu mais amei, a que ocupará o meu coração para todo o sempre.

Abraçou os filhos e voltou a partir. Clara e Rodrigo deram as mãos. Não trocaram uma palavra, mas de alguma forma confortaram-se um ao outro. A mãe de ambos não estivera só, no sentimento que dedicara ao pai. Eram frutos de amor, muito amor. Nem sempre o amor e uma cabana funciona, mas a verdade é que, mesmo quando se desiste, nem sempre o amor vai embora.

2 comentários:

Mag disse...

Mas que história bonita, cheia de amor! Tão bom ver-te escrever assim de novo, amiga! Faz-me feliz :)

Andy disse...

Simplesmente lindo, amiga.