sexta-feira, fevereiro 26, 2010

O Nosso Espaço

Recordo perfeitamente, naquele fim de semana de Agosto de 2001, da sensação que tive ao entrar lá. Luz!
Com nervosismo falei com a mulher que recebia os pagamentos, também ela cheia de luz, simpatia e generosidade. Ainda não sabia ser ela quem sonhara aquele espaço, quem o pusera a funcionar.

Foi um fim de semana extraordinário. Não será exagero dizer que mudou a minha vida... para melhor e de uma forma impossível de retroceder. Há caminhos que não têm a opção "voltar para trás". Não importa aqui falar da transformação interior que vivenciei, das pessoas maravilhosas que conheci, das lágrimas curadoras que derramei.

A sala era mágica. Alta, como só as casas antigas o sabem ser, decorada com os antigos azulejos de casa centenária, e com a resplandecente luz da Baixa a salpicar todas as janelas.

Regressei lá, desta vez para uma consulta. Regressei outras vezes para almoçar aquelas refeições vegetarianas que só a I. sabe preparar.
E passou a ser visita semanal, para o grupo onde eu estava, os cursos que fazia. Um deles, o mais especial, começou no início da minha primeira gravidez e culminou com o nascimento da minha filha. Talvez tenha sido a criança que mais meditou na gestação. :)

Alguns meses depois tomei a decisão de largar o seguro pela aventura, pela descoberta, pelo melhor de mim. E o Universo respondeu-me com tamanha generosidade! Um dos gabinetes daquele espaço mágico estava vago, à minha espera! Aluguei-o. Pintei as paredes três vezes mais altas do que eu. Comprei cada móvel, cada peça de decoração. Escolhi a dedo os livros que para lá levaria. E iniciei a minha nova vida.

Foi lá que tive a minha primeira cliente, numa viagem de autodescoberta e magia inacreditáveis. Foi lá que me identifiquei com cada pessoa que entrava e se sentava naquelas cadeiras que, segundo alguém, "já faziam parte do processo".

A determinada altura a energia do local começou a mudar. Ainda não sei o motivo exacto, mas todos o notavam. E algo em mim soube que seria o início do fim.
Ontem fui desmontar cada pedaço de memória, guardar as gargalhadas que ecoavam pelos corredores, vazar as lágrimas que, por vezes, também eram minhas. E trancar as portas.

O Nosso Espaço já não existe.
Mas acredito que ficará no coração de todos que o conheceram no seu esplendor.

terça-feira, fevereiro 09, 2010

Amiga Poderosa



A minha linda Andy , do blog Lua Prateada, presenteou-me com um prémio muito bonito. Desculpa só agora o colocar aqui, mas... sabes bem como tem sido a minha vida! ;)


As regras são as seguintes:
postar o selo, o nome e o link do blog que ofereceu

escolher 5 amigas para nós poderosas e avisá-las

completar a frase:
Sou poderosa porque...


Vou escolher os blogs de algumas pessoas que são de facto minhas amigas fora da net, e cujo poder conheço, ou vislumbro. :)
- Kayla
- Sayuri
- Dinamene
- Mag
- Ianita
- Joana (é mais um, mas tinhas que cá vir, princesa!)

Quanto ao ser poderosa... ;)
Sou poderosa porque aceito a minha fragilidade, respeito os meus sonhos e procuro sempre a centelha divina em mim.
Segue o prémio!
(Uau, dois posts no mesmo dia! É a loucura total!!!!!)

Bom dia com alegria!

Excelente dia para todos!

segunda-feira, fevereiro 08, 2010

Maria

Maria era a mais velha de uma família de 13 irmãos. Como - quase! - todas as famílias com muitos e muitos filhos, viviam com muitas dificuldades financeiras, pouca comida na mesa e trabalho de manhã até à noite.

A mãe de Maria acabou por pedir à cunhada, que não podia ter filhos, que educasse as três filhas mais velhas. E foi assim que Maria teve um crescimento mais abastado, num época em que ter comida na mesa era um luxo. Cresceu alegre, segura e bonita.

E um dia conheceu Raul. Maria descende de uma família com história de grandes paixões, e quem a conheceu na época conta que o amor dela e de Raul estava escrito nas estrelas. Não se largaram desde o primeiro momento. Entrelaçavam os dedos, trocavam olhares, aproveitavam o mínimo descuido da tia de Maria, severa com os namorados, para dar um apaixonado beijo.

E, como todos os amores perfeitos, casaram, numa festa onde ainda sobram muitas fotos, tiradas a preto e branco, e nas quais se pode ver o olhar da noiva e sonhar com um amor assim.

As dificuldades não começaram logo. Maria seguiu a profissão da sua mãe de criação, tornando-se costureira e Raul trabalhava como mecânico. Antes de darem conta, tiveram uma menina que lhes encheu os corações de mais alegria.

Um dia, um acidente fez com que Raul perdesse a sensibilidade na mão direita, terminando por aí, aquela que tinha sido desde sempre a sua profissão. Desempregado, viu-se sem meios de ajudar nas contas e acabaram por ter de deixar a modesta casinha onde viviam e regressar a casa da tia de Maria. Por esta altura, a jovem já esperava o segundo filho.
Viver numa casa que não era a deles, com as opiniões insidiosas da tia de Maria, que, sem se dar conta, se envolvia das discussões do casal, as dificuldades monetárias e as saídas nocturnas de Raul, que começara a beber mais do que era esperado, levou ao fim de um casamento que todos garantiam ser eterno.

Na noite em que Raul saiu de casa para não voltar, Maria fechou-se no quarto, de onde saiu somente três dias depois, e nunca mais falou do ex-marido.

Os anos passaram e ambos reconstruíram as suas vidas. Clara e Rodrigo começaram a visitar o pai numa altura em que este já tinha outro emprego, outra mulher e outro filho. Apesar de ausente, dava-lhes uma nota a cada um, à saída, e dizia, num tom baixo:
- Abraço à vossa mãe.

Maria nunca enviou qualquer recado a Raul. Quando o seu nome era balbuciado, mudava de cor e afastava-se para que não a vissem. Conheceu Jorge, com quem acabou por se casar, e teve duas filhas. A mais nova tinha dois meses, quando lhe diagnosticaram leucemia.

Clara tinha vinte anos, Rodrigo catorze, Sara tinha cinco e Bárbara era um bebé. E foi, acima de tudo, pelas filhas mais novas, que Maria lutou. Com todas as suas forças. Tentou todos os tratamentos que conhecia e que as suas escassas posses lho permitiam. Nada resultou. Bárbara acabara de fazer um ano, quando Maria soube que partiria em breve. Tentou assegurar-se de que as meninas ficavam bem e pediu para ver as duas irmãs com quem tinha sido criada.

Quando Raul entrou na igreja, o silêncio foi total. Há mais de doze anos que a família da defunta não o via e, graças aos comentários da tia de Maria, que nunca lhe perdoara a partida, as pessoas conheciam-no como um homem egoísta, que nunca ligara à mulher e que mal via os filhos. Raul reconhecia veracidade em algumas dessas frases. Não todas.

Sem olhar para os presentes, aproximou-se do caixão, sentou-se ao seu lado e fez um suave festa no rosto da ex-mulher. Sorriu. Pegou-lhe na mão e levou-a aos lábios, castamente. E, deixando cair o rosto, lançou-se num choro soluçante e compulsivo, que demorou a controlar.
- Era a mulher da minha vida. - ouviram-lhe sussurrar. - Aquela que eu mais amei, a que ocupará o meu coração para todo o sempre.

Abraçou os filhos e voltou a partir. Clara e Rodrigo deram as mãos. Não trocaram uma palavra, mas de alguma forma confortaram-se um ao outro. A mãe de ambos não estivera só, no sentimento que dedicara ao pai. Eram frutos de amor, muito amor. Nem sempre o amor e uma cabana funciona, mas a verdade é que, mesmo quando se desiste, nem sempre o amor vai embora.

sábado, fevereiro 06, 2010

Rui

O Rui tinha 9 anos quando apanhou uma bactéria rara que lhe afectou a vista. A princípio, ninguém notou. Só quando a professora mandou chamar os pais da criança, alegando que o seu melhor aluno mal conseguia distinguir aquilo que se escrevia no quadro, é que lhe foi diagnosticada uma falha na visão, com tendência a aumentar, e sem tratamento conhecido.

O segundo de 4 irmãos, num casal divorciado, a mãe com pouquíssimas posses e o pai praticamente ausente, o acompanhamento que teve foi aquele que se poderia obter pelo estado. Consultas no hospital com meses de espera, médicos de família no Centro de saúde e uma visão que diminuía a uma velocidade alucinante.

A largura das lentes aumentava, mas de pouco servia para Rui. Ainda assim, manteve, o mais possível, a sua vida normal. Para amigos e família, continuava a ser o Rui de sempre e, não raramente, era fácil passar por cima do seu "problema" e esquecer que ele não lia a legendas dos filmes, no cinema, não via realmente os belos olhos da vizinha da frente, nem lia os livros da escola.

Como era bom aluno, os professores deram-lhe todo o apoio e o Rui conseguiu um feito digno de orgulho. Acabou o décimo segundo ano, pois memorizava tudo o que ouvia e escrevia com letras gigantes, que os seus mentores corrigiam com paciência.

A determinada altura o Rui sentiu-se diferente e revoltou-se. Mudou-se para o sótão, onde passava noites acordado. Como resultado, aprendeu, sozinho, a tocar guitarra, e a filosofar sobre a vida.

A família do Rui tinha amigos nos Estados Unidos. A comunidade portuguesa que lá habitava uniu-se e juntou dinheiro para o levar lá, onde foi visto por especialistas. De pouco adiantou, pois o estado da doença era demasiado avançado. Soube-se, porém, que o Rui estava estável. Via muito pouco, mas provavelmente ficaria assim.

Quando regressou, o Rui estava diferente. Mais calmo, mais maduro. Ficara impressionado com o altruísmo das pessoas que o haviam recebido, que tanto lhe tinham dado. E queria fazer o mesmo. Nesse mesmo ano, ingressou numa Associação para Invisuais e começou lá a trabalhar. E conheceu aqueles que seriam os seus melhores amigos. Aprendeu braille. E percebeu que, para aqueles que não vêem o mundo como nós, os sentimentos são mais intensos, mais fortes, as palavras mais verdadeiras, as inflexões de voz mais perturbadoras.

O Rui tinha dois amigos. O Paulo e o Francisco, ambos cegos. Andava com eles para todo o lado, faziam férias juntos, brincavam uns com os outros. As pessoas de quem se sentia mais próximo. E havia a Patrícia. Conhecera-a na Associação, uma rapariga que lhe tocara o coração desde o primeiro dia, com a sua voz doce, a gargalhada cristalina, as confidências que lhe fizera. Conhecia-lhe o rosto, porque o vira bem próximo, sabia bem como era bonita. Mas não precisava de o ter feito. A alma da Patrícia era a coisa mais bela que habitava o seu ser. Estava completamente apaixonado.

Sonhava com o dia em que se iria declarar, com o primeiro beijo, com o entrelaçar de mãos. Sonhava com ela desde que acordava até fechar os olhos. E nunca o contara a ninguém.

Naquele tarde, sozinho no parque com o Paulo,estava prestes a contar-lhe o seu segredo. Mas viu o amigo triste e preferiu saber quais as suas angustias.
- Estou apaixonado pela Patrícia. - contou o Paulo, gelando a alma do amigo, sem ter como o saber. - Não sei o que faça, preciso de um conselho.

E o Rui aconselhou-o a falar com ela, dizer-lhe o que sentia. Quem sabe não fosse correspondido. E no seu coração, decidiu esconder os seus sentimentos até essa história se resolver.

Quando o Rui me contou esta história, numa noite tardia, entre os acordes da sua viola e o som da minha voz, a Patrícia e o Paulo viviam os primeiros dias de namoro, numa felicidade insaciável, e tinham-no acompanhado até minha casa.

- Como estás, como te sentes? - perguntei.
- Sabes, prima, as duas pessoas que eu mais amo no mundo estão felizes, apaixonadas e tenho ambas junto de mim. Jamais seria capaz de estragar isso. Nunca seria capaz de lhes ensombrar a a felicidade. Acredites ou não, estou tão feliz por eles como se fosse eu no seu lugar.

E eu soube que o meu primo, cuja história de coragem continua até hoje, cumprira o seu desejo de fazer o que pudesse pelos outros.

quarta-feira, fevereiro 03, 2010

:(


It's rainning again...