sexta-feira, outubro 26, 2007

O elo quebrado

Conheciam-se há 20 anos. Viviam juntos há 11.
Se era fácil? Não. Ele tivera sempre o dom de viver perigosamente. Onde havia sarilhos, ele seguia o rumo.

Ela não. Era mais calma, serena. Abria-lhe os braços e escondia-o do mundo, quando tudo parecia dolorosamente insano.

Ela conhecia-lhe os pesadelos nocturnos, os pensamentos mais obscuros. Sabia ler-lhe as entrelinhas, os silêncios profundos, as fugas à realidade. Estava com ele. Amava-o. Sabia que o amor era construído assim, entre risos e lágrimas, entre sonhos conjuntos, degrau a degrau.

Existia um elo. Invisível para os outros? Talvez, mas ela sentia-o em cada instante em que os seus olhos pousavam nele.

Um dia ele partiu. Outro amor, outra aventura, outro perigo. Ela ficou. Só, destroçada. Irreconhecível.

Levantou-se. Mudou de casa. Mudou de vida. Ainda o sentia na pele, no bater do seu coração. Esperava que ele regressasse, como nos dias em que lhe abria os braços. Existia um elo invisível. Conheciam-se há 20 anos. Conheciam-se.

Ela fez anos. Passara os últimos 11 aniversários junto a ele. Só a ele. Existia um elo que era só dos dois. O telemóvel foi dando os apitos das habituais mensagens de parabéns. Agarrava cada uma delas como uma esperança, que se convertia em desilusão. O dia passou.

Despertou no dia seguinte com um "bip". Agarrou o telemóvel. Mensagem dele.
"Preciso que vás ao tribunal. Há lá qualquer coisa marcada, mas não consigo perceber o que é. Agradeço imenso. Adeus."

Fechou os olhos, rindo, para não chorar. Às vezes, não existia absolutamente nada.

7 comentários:

Olavo disse...

Nunca é facil, mas ha umas coisas mais dolorosas que outras...Ao longe, sem saber ou conhecer, doeu-me, senti a dor de interposta pessoa...doi, quando se percebe que a ilusao aparentemente real, não deixou de ser uma ilusão...

Lita disse...

A mim também me doeu. Tanto que tive de o arrancar de mim e colocá-lo aqui. Há histórias que nos tocam profundamente.

E é como dizes... há coisas mais dolorosas que outras.

Solitude disse...

...e assim passam-se 11 anos de vida amando,pensando, lutando junto de alguem que no fim s� existia na nossa imagina�o...

...e quando acordamos...queremos adormecer de novo...

Sandra disse...

È incrível como 20 anos se resumem a nada de um momento para o outro.
Mas a vida é assim, cheia de surpresas e constantes imprevistos.
Deixa a porta e o coração aberto, para que o novo possa voltar a entrar na tua vida, quando chegar a altura certa.

Um beijo!

Lita disse...

É verdade... às vezes parece que as coisas desvaneceram e ninguém deu conta.

Não é a minha história, mas bem podia ser. Já dizía o Paulo Coelho "todas as histórias de amor são iguais."
Beijos.

Mia Olivença disse...

É bonito quando a amizade nos faz entrar dentro daqueles que precisam de nós e lhes lemos a alma...

Mais bonito é conseguirmos ajudá-las... diz da minha parte á tua amiga que o poema diz "quando alguem nasce, nasce selvagem, não é de ninguem"... e se assim o é quando nascemos e somos dependentes de outros, imagina o que podemos ser quando somos independentes...

Não tem que se ver o passado com arrependimento, não podemos lá voltar, nem o podemos alterar, mas podemos aprender muito com ele... ;)

Lita disse...

Concordo contigo. E cada um tem o seu caminho e tem de ter a coragem de o percorrer, ainda que isso implique não se ser quem os outros queriam que nós fossemos.

O que não muda a dor de cada um... :)