sexta-feira, novembro 21, 2008

Misturas

Era assim que se sentia. Para além da costumeira pilha de nervos, "afinal ainda és quem eras, ou será melhor mostrar quem te tornaste, um pouco das duas, talvez, mas qual será a diferença?"

A melhor amiga, aquela que acompanha em silêncio, para observar e comentar, "não é que seja necessário, mas sinto-me sempre mais confortável se fores, és uma espécie de segurança interna... como se a segurança interna viesse de fora!". Parecia meio aborrecida, mas não sabia se realmente o estava, afinal anti-social, era o que sempre fora, se bem que ultimamente parecia bastante melhor. Continuaria, ainda, a não gostar deles?

E ela deambulava, praticamente sem rumo, ao longo da mesa, como desejava saber de todos, mostrar-lhes o quanto os amava, a importância que tinham tido na sua vida. As companheiras, e namorados, que viessem, queria conhecê-las, também. Até a ela. Mesmo a ela.

Contava, ouvia, queria absorver o máximo daquelas duas horas que não teriam significado nenhum para os outros, ou teriam? Mais do que uma vez lhe tinham demonstrado de que partilhavam, ainda, as mesmas memórias, os mesmos sentimentos, apesar da forma diferente de os comunicar?

Um deles perguntara: "Então, continuas a ajudar pessoas a entrar para a universidade em 3 meses?" E ela respondera "Cala-te, não falo contigo.", assim meio atabalhoadamente, porque não era a hora, nem o momento. Porque não dava para dizer ali "não me apetece falar de trabalho, nem de divergências. Eu não sou, nunca fui do teu partido político, nem percebo as tuas visões, mas não é por isso que deixava de te pedir boleia, de te abraçar quando estava triste ou de ser a tua parceira de matrecos. O que é que importa o que é que eu faço se eu estou aqui e quero saber se és feliz?"

O casal preferido, que ela tanto amava e que acaba, através de uma meia piada, por descobrir que a mulher desconfia de segredos existentes entre o marido e ela,"Bolas, claro que existem segredos, conheci-o muito antes de ti, temos histórias em comum, conhecemos instantes um do outro, nenhum daqueles que tu estás a imaginar, mas, ainda assim, não tos direi. Não significa que não te ame."

A amiga de infância, de quem nunca se sentira realmente próxima, porque não eram feitas da mesma matéria, mas nadaram juntas, gritaram, brincaram, riram das mesmas piadas, abriram a pista tantas noites, ao som de "Roxanne", enquanto a prima canadiense descompensava de alegria. Por isso, chamava-lhe maninha e o seu coração alegrava-se com a sua presença. Apesar de tudo.

O ex-alcoolatra, que era apenas um gajo fixe quando o conhecera, mas cujo coração puro lhe fazia desconfiar que poderia não "sobreviver" à Selva que era existir para mostrar e não para ser. Agora, amargo, calado, doente, mas um sorriso. Ainda assim, viera. E isso dizia tanto.

O ex-amante, que a olhava de soslaio, sem o dar a entender, aquele idiota que nunca tinha dito as palavras que ela ansiara durante anos ouvir, e que não eram "amo-te" (bem, essas também eram), mas sim a mensagem de reconhecimento, "estive aqui, partilhei isto contigo". "Idiota, se não foi importante, porque é que estás tão desconfortável? Eu estive lá, sabias?"

Não eram os "seus amigos" actuais. Não viam o mundo como ela, nem sentiam as coisas, ou falavam das ideias, não liam os livros, não vibravam na sua energia. E, apesar de tudo isso, amava-os de todo o coração. Era ali que queria estar. Não eram as condições ideias, mas eram as que tinha.

O seu amor, que, ainda inconscientemente, sabia de tudo isto. E mantinha-se, tão calmo quanto a melhor amiga, observando, esperando, sabendo que o nervoso dela acalmaria no final da noite e que, talvez não logo, porque as memórias demoram tempo a reencontrar o seu lugar, mas logo que pudesse regressaria aos seus braços. Ela também sabia disso.

4 comentários:

Ianita disse...

Gostei tanto...

Kiss

Lita disse...

:)
Obrigada!

Kayla disse...

No meu perfeito silêncio...orgulho foi o que senti... ;)

Lita disse...

Kaila... :)