Soube imediatamente o que tinha nas mãos, quando agarrei aquela caixa antiga e gasta pelo tempo, perdida entre albuns de fotografias repletos de teias de aranha e pó, no velho sotão revestido a madeira da casa grande, como lhe chamávamos.
Não era como eu imaginava, em veludo vermelho, reluzente, como o esplendor do seu conteúdo, contado tantas vezes pela voz da minha avó, cujos olhos cansados regressavam ao brilho dos 17 anos, sempre que falava nessa história.
Era uma história igual a todas as histórias que fazem as meninas sonhar. Um amor antigo, único, perfeito, que não se concretizara, perdido nas desventuras habituais do coração. E que, antes de se desvanecer,tivera os sumarentes beijos escondidos, bilhetinhos secretos, abraços quentes nas noites de luar e, claro, as rosas vermelhas.
Apertando a caixa, que afinal era em metal, com desenhos antigos de dois amantes, apagados pela ferrugem, eu fechei os olhos, relembrando as palavras da minha avó.
- Com ele partiu o meu coração e a minha juventude. Ficou uma caixa, com um retrato que me fez, 2 cartas de amor, e 6 rosas vermelhas. E a vida continuou.
Cresci com a lembrança daquele amor único, que não era o meu, mas que me arrebatava o coração para a fuga nas noites de luar, como se os beijos escondidos debaixo da janela fossem para mim.
Agora, com aquele tesouro nas mãos, sabia que tudo fora verdade e não mais um devaneio de uma velhota senil que, segundo o meu pai, nada mais fazia que não encher-me a cabeça com ideias aparvalhadas que me paravam o cérebro.
Quis abri-la. Cheirar o perfume do amor, nas rosas vermelhas, e ler cada carta como se a doce carícia das palavras ardentes fossem dirigidas a mim. Olhar o retrato da minha avó, cujos traços haviam sido desenhados pela mão da paixão avassaladora e deleitar-me no encanto das memórias.
Mas não era a minha história. Não eram os meus segredos, as minhas fugas da cama para os braços do meu amante. Não era o meu rosto desenhado. Não eram as minhas rosas.
Eu abriria uma caixa velha e encontraria, provavelmente, um rolo de papeis amarelados e baços, comidos pelas traças e pelos anos. Encontraria um retrato cujos contornos teriam sido esquecidos no papel. E encontraria rosas secas, sem a cor e a frescura do amor.
Abrir a caixa? Não. Mantê-la assim, fechada entre as minhas mãos, de olhos fechados, ouvindo as ternas palavras da minha avó e inspirando o aroma das rosas. Nessa memória,estaria a essência do seu amor.
6 comentários:
A CAIXA
Nesta caixa estão apenas fotografias. Apenas papel, apenas cores misturadas.
É uma caixa de lata muito velhinha, mais velhinha que a sua proprietária actual. Começou por ser uma caixa bonita, com ilustrações coloridas, comprada numa casa de chás do séc. XIX. Lá dentro estariam as melhores bolachas de manteiga vendidas em Lisboa. Teriam sido as bolachas uma oferta de Natal, pois a mãe da sua proprietária actual não teria dinheiro para se dar ao luxo de a comprar.
Depois das bolachas comidas, a caixa tornou-se num mealheiro, supostamente escondido na última prateleira do armário de mais difícil acesso. Todas as semanas essa caixa era aberta, e as moedas eram espalhadas na mesa, e com essa contagem assim se decidiria o que comprar para comer. Foram tempos difíceis, comentava-me a sua actual proprietária ao mostrar-me cada pedacinho da sua vida, registado de início a sépia, depois a preto e branco, e mais tarde a cores. Uma vida que cabe numa caixa de bolachas.
Cada caixa que guardamos tem uma história, um segredo, uma vida inteira de sonhos... como disseste, alguns a sépia, outros a preto e branco, e outros tantos com os seus efémeros toques de luz e cor...
Nunca se poderia abrir um caixa, selada por uma lagrima, até porque, se tal acontecesse, como que por magia, assim que o selo lacrimal se rasgasse, todo o conteudo se evaporaria no ar...
Uma história mágica, fechada numa caixa, com uma história, um sentimento, uma emoção, uma vida... a vida é feita dessas caixas mesmo que elas apenas existam no sotão das nossas memórias... são os pequenos pormenores que tornam a vida mais completa...
Também tenho uma caixa... todos temos...
A-D-O-R-E-I-!-!-!
Amiga...a emoção contagiou-me ao ler este teu texto...brotaram em mim arrepios seculares, quiça milenares, acordaste a memória de vidas...Também tenho, não uma, mas várias caixas, cada uma delas feita do material das personagens envolvidas nessa vivência, que não mais é, mas...é-o para sempre, nem que seja dentro dessa caixa mágica...AMO...
Obrigada, amiga... é a velha história. Todos nós temos uma caixa... pelo menos uma... :)
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