sexta-feira, setembro 14, 2007

Perspectivas...

A do Benjamim...
A da Clara...
Clara encostou-se à porta entreaberta, levando as mãos à boca, num gesto de assombro e estupefacção.
- Não posso acreditar que me fez uma maldade dessas, avó Chica!!!! - exclamou zangada.
A anciã, que já era velha quando Clara nascera, encolheu os ombros. Baixou o olhar, embaraçada, enquanto sacudia pó inexistente do avental gasto.
- O que é que queres, filha? O rapaz anda desesperado,não pensa em mais nada senão em ti.
- E por isso encomenda-lhe feitiços!!!! - resmungou a jovem. - Se ele pensa que isso muda alguma coisa...
A avó Chica olhou-a com expressão reprovadora e continuou o seu caminho.
Clara voltou para dentro, ainda furiosa e triste com a situação. Porque é que todos a recriminavam? Não poderia ser ela a dona do seu destino?
Benjamim era uma pedra no seu sapato. Desde a escola primária que a seguia para todo o lado. Nessa altura, não parecera tão mau. Fazia-lhe companhia no caminho para casa, levava-lhe os livros, ajudava-a nos trabalhos de casa e até a levara às cavalitas naquelas três semanas de pé engessado, depois da queda no riacho.
Porém, ao longo dos anos, a obsessão de Benjamim tornara-se cada vez mais incómoda.
A carta que lhe enviara, semanas antes, perfumada e bonita, cheia de elogios e palavras quentes, fora respondida por Clara com um simples e caustico "Não".
Bem lá no fundo gostara de a receber,pois Benjamim sabia usar as palavras e o fogo ardente da sua paixão enchia de vaidade Clara. Sobretudo quando as amigas se roíam de inveja por não terem,também, um tal pretendente. Mas não podia encher o rapaz de esperança.
Benjamim continuara a sua luta fogosa com um cartão, todo engraçadote, onde a resposta Sim ou Não estavam à distância de uma simples dobragem nos cantos. Clara riu-se com o atrevimento mas, ainda assim, reenviou a carta com mais uma desilusão para o pretendente.
Depois, chegaram os recados. E, com eles, os conselhos dos seus mensageiros.
- Toma tento, rapariga. Olha que nunca encontrarás outro assim.
- Quando é que vais dar uma oportunidade ao desgraçado?
- Não sei como é que podes ser tão insensível...
Quanto mais a recriminavam, mais resoluta Clara se sentia. Ninguém se meteria na sua vida. E mais zangada ficava com Benjamim.
"Quando o encontrar, digo-lhe das boas."
Mas ele desapareceu como por encanto. Ninguém o via. Ninguém sabia dele. A raiva de Clara foi-se diluindo com o tempo, e a ausência das cartas, dos recados,dos olhares de Benjamim trouxeram-lhe uma estranha ansiedade. Onde andaria ele?
"Talvez metido noutra paixão louca!!!!" - e este pensamento trazia a raiva de volta.
Foi no Baile de Verão que o encontrou.
Contava às amigas as peripécias que Benjamim lhe fizera, rindo-se como se a sua ausência não lhe pesasse a alma. E ele apareceu. Mais magro, os olhos escuros profundos e o mesmo olhar encantado pousando nela.
Veio a Rumba. E Benjamim, dirigiu-se a ela.
"Vai convidar-me para dançar. Oh, que se lixe, vou aceitar, assim tenho oportunidade de lhe dizer o que me está entalado..."
A mão dele na sua cintura,uma carícia fugaz. O olhar escuro mergulhado no seu. A sala que rodopiava como se não estivesse lá ninguém. Nunca reparara como era fácil perder-se naquele olhar. Nunca se apercebera das saudades que sentira dele. Nunca reparara o quão fácil era corresponder àquele sorriso.
- Dá-me um beijo, Clara.
- ... sim.
E, ao tocar a suavidade dos lábios do jovem, Clara pensou que, afinal, talvez o feitiço da Avó Chica tivesse dado certo....

3 comentários:

Neptuna disse...

arrepiante de bonito que é. :)

Lita disse...

Oh... Neptuna!!!
Tu é que és uma QUERIDA!!!!
... lá me vou aventurando nas palavras... mas ainda cheia de medo.

Ianita disse...

Colocam-se duas questões:

1- Será que todos podemos ser vencidos pelo cansaço?

2- Qual o contacto da avó Chica?

:)

Adorei!

Beijos