terça-feira, fevereiro 17, 2009

Selvagem

Conheci-o nas primeiras semanas de Faculdade. Não era difícil conhecer os quinze rapazes do ano, no meio de cem raparigas. Eram mesmo poucos.
Ele dava nas vistas porque era muito alto, muito magro, tinha um cabelo comprido e parecido com a juba de um leão, cor e tudo. Foi por isso que eu e a BC lhe demos a alcunha de Selvagem.

Vínhamos muitas vezes juntos no comboio, pois morávamos perto. Surfista, bem disposto, tinha uma visão positiva do mundo e do futuro. Não fumava, não bebia, não consumia drogas e costumava dizer, na brincadeira, que o único vício que tinha eram os Sunday's de Caramelo. Comia sempre dois de seguida.

Era daqueles rapazes de quem nos sentíamos bem, perto. Muito sincero, usava poucas máscaras, adorava rir. Recordo-me de inúmeras aventuras que passámos juntos. Foi ele que me apresentou Dead Can Dance, Lorenna McKennit e outras coisas de que ainda gosto bastante.

No ano seguinte, outras pessoas chegaram e, por algum motivo, as escolhas do Selvagem mudaram. De início não foi um problema, continuava a adorar a vida e a experienciar tudo intensamente. Devido à mudança dos seus hábitos, tornou-se, também, meu companheiro em algumas noites de bebedeira e risos até de madrugada.

De início não foi um problema. Não a bebida, não o fumar, nem as ganzas. Mesmo quando parecia que ele já não sorria sem elas. As histórias estranhas sobre os chás alocinógenos. As faltas aos exames. Os semestres adiados.

A estranha viagem a França, supostamente por quinze dias, onde esteve dois meses desaparecido. E o regresso, quando já não o encontrei.

Regressou em corpo. Deixou lá o sorriso, os planos de futuro, a visão positiva do mundo, o olhar. Deixou lá a alma.

Nas poucas vezes em que estivemos juntos, depois disso, não reconheci os seus olhos. As palavras que proferiu não me fizeram sentido. Conhecia-me, mas nunca tive a certeza de que me reconheceu. O olhar meio vazio, com rasgos de lucidez causavam-me uma dor que regressa a cada vez que penso nele.

Recebo notícias, por um amigo comum. Vive na casa dos pais, joga à bola com os miúdos, na rua.
E questiono-me onde terá ficado a sua alma, nesta viagem, e porquê! Sinto a falta do meu amigo...

13 comentários:

Ianita disse...

Ai que arrepio, Lita!

Tive um amigo assim... amigo amigo amigo mesmo. Daqueles de uma vida... vivia em casa de um ex-namorado. Durante mais de um ano convivi com ele sem ser ele... não dizia mais que duas frases seguidas e normalmente sem nexo algum... e sim, sentia falta do meu amigo.

Um amigo que recuperei porque ele esteve no fundo do poço e nadou... ele nadou, Lita. Fez o que tinha de fazer para sair do sítio escuro onde esteve tanto tempo... e saiu. Hoje falamos desse tempo e ele não se recorda. Há algumas histórias que viraram anedota sempre que o pessoal se encontra, mas eu não me rio... porque eu, mais que todos os outros, sei de tudo... sei o lugar escuro e sombrio onde ele andou...

Sinto um orgulho enorme dele...

Obrigada Lita! :)

Lita disse...

Linda história... gostava tanto de recuperar o meu amigo... mesmo!
Beijos

Anónimo disse...

Na maior parte das vezes, o que foi não volta a ser.
Às vezes perdemos pedaços de nós em determinados acontecimentos... há quem se perca por completo! :(

beijinhoss

Lita disse...

Infelizmente é verdade...

M disse...

Quando penso nele fico com um nó no estomago, sabes?...A ultima vez que o vi, foi ele que me chamou, no metro do Saldanha logo de manhã, e ai sim, voltei a gostar de ve-lo :)

Li disse...

É terrível o que aquilo que parece ser nada pode fazer à vida de uma pessoa...Só espero que consigam ajudá-lo para que ele saia desse poço sem fundo e volte à superfície...será uma pena se isso não acontecer...

bjitos

Rice Man disse...

É difícil "perder" um amigo dessa maneira... Por vezes só é preciso um pequeno momento de fragilidade para nos colocarmos às portas de uma espiral descendente. E se a descida for suficientemente suave nem damos por ela... O fim dessa descida não é algo palpável mas antes um estado contínuo de desistência, um limbo em que ficamos praticamente insensíveis a tudo o que nos rodeia.

Mas, como a Lanita exemplificou e muito bem, acredito que é possível sair desse limbo. ;) Tem é de se ter os estímulos certos, a ajuda dos amigos e a consciência que o regresso não será fácil... Porque se a descida foi suave, a subida também o será.

Não percas a esperança, Lita! :)

Lita disse...

Sayuri, estou mesmo a pensar procurá-lo, sabes?

lilipat2008, uma grande pena... mesmo!

Rice Man, palavras cheias de luz, as tuas! Não perco... :)

Eumesma disse...

Tenho a certeza que saberás "chegar" ao seu coração...;-)
O que escreves por aqui todos os dias "mostra-me" isso...

Porque não o tentas contactar, nunca nunca deveremos dar nada como perdido, nunca desistir de nós mas tb dos outros...

Bjs e espero que ainda o consigas um dia. :-)

carol disse...

Lita, que história tão triste. Que pena. Perdeu-se uma alma tão boa.
Espero que o encontres.
**

Lita disse...

Eumesma, tenho pensado muito nele. Se calhar será por algum motivo. Obrigada pelas palavras... :)

Carol, eu sei que é triste. Mas nem por isso deixava de valer a pena escreve-la... beijos.

Neptuna disse...

meloncolico e triste este texto.. mas, já te disse que cada vez gosto mais de te ler? sim, é verdade, parece que ao ler-te vivi esta história. beijinhos!

Lita disse...

Adoro-te, minha querida! :)