terça-feira, dezembro 23, 2008

Esperança

A mulher teria, uns 35 anos, talvez. Loura, cabelos compridos aos caracóis, uma camisola de lã verde escura. As rugas de expressão, à volta dos olhos, davam-lhe um ar um tanto cansaço, excepto quando sorria. Nesses, momentos, os traços transformavam-se e as chamadas rugas enfeitavam-lhe o rosto, tornando-a espectacularmente bela, na sua maturidade. E ela sorria muito...

Cheguei lá por volta das 21h. Olhei para a sala, cheia, umas 40 ou 50 pessoas. Tirei a senha e as minhas suspeitas confirmaram-se. Ia ficar ali para sempre... não fosse a dor de ouvidos a penetrar-me o cérebro e teria dado meia volta na hora. Podia ter evitado, mas a gripe também chegara à pequenita e as minhas preocupações com ela levaram-me a andar o dia todo de um lado para o outro, na esperança que a pediatra a visse e, confirmando os meus receios, a medicasse. Aconteceu. Por isso, esqueci-me da minha gripe que não melhorava e a noite trouxe-me a "maravilhosa" otite.

Quando chegou a minha vez fui ao balcão fazer a inscrição para a urgência e deparo-me com aquela mulher que me sorri como se eu viesse para um SPA.
- Olá, boa noite! - diz. - O cartão, tem?
Entrego-lhe o cartão, olhando em volta para me assegurar que eram 9 da noite, do dia 22 de Dezembro e que eu estava na urgência do Centro de Saúde.
Insere os dados no computador com um sorriso.
- Lita... que nome lindo! - comenta. - Pronto, querida, já está inscrita. É só aguardar e as melhoras, está bem?

Vou sentar-me, ainda em choque, mas muitíssimo mais calma. De onde estou, observo as pessoas que se aproximam do balcão. Para todos ela tem um sorriso, uma palavra. Quando se vão sentar, as pessoas trazem um ar mais tranquilo, menos sofrido.

Ao lado dela,está outra funcionária. Esta é igual àquelas que estamos habituados. Não tem ar de quem nos odeia, mas está carrancuda, não sorri, trata as pessoas da mesma forma que trata os papeis que tem à frente, nem olha para elas. A fila do lado da loura é maior, como se as pessoas sentissem que preferem esperar e ser bem atendidos. Ter atenção.

Despacho-me em pouco mais do que uma hora. O Centro de saúde tem 3 médicos na urgência e as pessoas vão entrando e saindo com rapidez. Alguns trazem a carta para o hospital, mas a maioria trás uma receita. TODOS vão colocar a vinheta no balcão da senhora loura, que lhes deseja boas festas.

Afinal, no país, existe uma funcionária pública que parece gostar do que faz e que, a dois dias do Natal, num turno da noite, tem uma palavra de apreço para quem lá chega e um sorriso para oferecer. Ontem, fiquei com mais esperança.
Acreditem.

6 comentários:

im disse...

São de louvar Pessoas assim...uma maneira de estar/ser especial que muda um bocadinho no bom sentido a vida de quem passa por essas Pessoas.

Feliz Natal!

Beijos

Neptuna disse...

:) arrancaste-me um sorriso .. obrigada!

M disse...

Estou tentada a mudar-me de malas e bagagens para a tua localidade. Eu raramente estou doente, porque o meu próprio organismo evita e protege-me do meu Centro de Saúde... :)

Lita disse...

im, é verdade! E naqueles locais específicos, são bem necessárias...

Neptuna, que bom! Obrigada eu...

Sayuri, na verdade, eu tenho o hábito de esperar que o meu Centro de Saúde feche, para poder ter acesso àquele... de noite! O que diz respeito à minha localidade mete-me verdadeiramente medo!

Ianita disse...

Acredito.

A minha mãe foi funcionária pública, no balcão de atendimento de um centro de saúde até se reformar no ano passado.

E é muito difícil... eu que tive de lhe aturar muitas neuras que trazia pela falta de educação dos utentes que falam a berrar uns para os outros na sala de espera, que reclamam com a funcionária porque o médico às 10h da manhã ainda não chegou, que reclamam com a funcionária porque esse médico que chegou às 10h30m voltou a sair às 11h pra ir beber café e ao meio dia ainda não voltou... e elas ouvem e ouvem e ouvem... as pessoas queixam-se com quem está mais perto, esquecidas que aquelas pessoas têm problemas também e que basicamente não têm nada que ver com os horários dos médicos... é difícil manter um sorriso, mas mantêm-no, porque percebem as pessoas, porque sabem que estão a sofrer e que só querem descarregar em alguém... aguentam tudo com um sorriso e depois os filhos que lhes aturem o mau.humor em casa!!!!

:)

Kisses e Feliz Natal

Lita disse...

É uma outra versão - e bem ingrata - dos acontecimentos. Concordo contigo, não deve ser fácil estar do lado de lá, até porque na maioria das vezes as pessoas vão aos Centros de Saúde porque sim, porque encontram lá a vizinha do lado. Pelo menos por aqui, é assim. A verdade é que para quem se sente mal e precisa, um desses sorrisos faz mesmo diferença...
Bjos
Um excelente Natal.